Nascida em 23 de setembro de 1970, a bióloga Silvania Santos complementa seus estudos com cursos de artes cênicas e cinema desde 1995. Cursou interpretação para teatro no Tablado, cinema com Walter Lima Jr e TV com Alexandre Klemperer. Estudou linguagem de cinema Joaquim Três Rios (efeitos visuais no cinema), Eduardo Aguilar (Assistência de direção), dentre outros.

Atuou como assessora pedagógica no projeto “Cinema-Escola” do Grupo Estação, no Rio de Janeiro. Fundou o projeto “Cineapreender”, em Belo Horizonte, que levava alunos de escolas públicas e privadas ao cinema e oferecia palestras e oficinas sobre a linguagem do cinema. Foi uma das fundadoras do grupo “A Tela e o Texto”, para reunir pesquisadores interessados na interface entre literatura e cinema, grupo este que hoje é um projeto de extensão da UFMG. Atuou no coral do Tablado e é integrante do grupo de samba Cristino e Cia. Além de atriz e cantora, é professora de biologia na Escola Parque e contadora de histórias na creche “Fazer Arte”. Também é autora do blog aeducadora.blogspot.com, um canal de discussão da educação - formal e não formal.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A Curiosa de Nelson Rodrigues

Recentemente, escrevi uma adaptação da crônica "A Curiosa" extraída do livro “A vida como ela é” de Nelson Rodrigues. Essa cena fez parte da "Segunda Farra do Nelson" no Tablado. O espetáculo foi dirigido por André Mattos e contou com a participação de vários alunos dele.


 Trata-se da história de Jandira, uma mulher casada, que tenta seduzir Serafim, o melhor amigo do marido dela. A princípio Serafim rejeita a idéia de trair o amigo, mas depois fica obcecado pela mulher proibida - mas para ela, tudo não passa de mera curiosidade. O ator João Muniz foi escolhido para viver Serafim. Ele arrasou!


Eis o texto:

CARVALHINHO Muito bem, Serafim. Veio para a varanda para escapar dos olhares de Jandira?

Serafim sem graça.

CARVALHINHO Como é? Negas agora?
 
SERAFIM Vou te pedir um favor, um favor de mãe para filho.

CARVALHINHO Fala.

SERAFIM Não comenta isso com ninguém, pelo amor de Deus! Nem com tua mãe!

CARVALHINHO Mas quer dizer que é batata?

SERAFIM Não! Sou amigo do Paiva e a Jandira é como se fosse minha irmã!

CARVALHINHO Você é um vigarista! Parei com o teu cinismo.
Enquanto os dois conversam, o palco está arrumado como um escritório.

SERAFIM (ao telefone) Então está certo, vou mandar as notas.

Carvalhinho aproxima-se.

CARVALHINHO Você foi visto ontem, nas Laranjeiras, de braço com Jandira. Vocês andam se expondo muito. Cuidado!
SERAFIM Senta aí. Senta aí! Estou numa sinuca de bico! Eu sou de fato um velho amigo de Jandira e do Paiva. Durante anos e anos, jamais pensei na hipótese de que pudesse ser outra coisa senão amigo de Jandira, fraterno amigo. Foi só na festa que percebi a primeira insinuação. No dia seguinte ela me telefonou. Eu tentei resistir, juro! Mas fui envolvido irremediavelmente. Vê se pode! É ela quem tem a iniciativa, quem propõe os passeios. Quem dá os beijos.

CARVALHINHO (maravilhado) Não é nada sopa, hein?

SERAFIM É uma sujeira ignóbil. Sou amigo do marido, veja você! Amicíssimo!

CARVALHINHO Quer um conselho? Aproveita rapaz! Mete as caras! Mulher não se enjeita!
SERAFIM Estou me sentindo um canalha! Um patife. Isso não se faz! Se fosse um estranho, vá lá! Mas mulher de amigo é sagrada... Vou acabar com esse negócio.

SERAFIM (ao telefone) Jandira? Vou te avisando, é o nosso último encontro. O último!

Serafim caminha para o corredor e encontra Jandira que entra cantando:


"Beija-me, quero teu rosto coladinho ao meu..."





SERAFIM Você não vê que não está certoNão está direito?

JANDIRA Quero e pronto!

SERAFIM Vem cá, explica um negócio: eu me lembro que, há pouco tempo, tinhas uns ciúmes danados do Paiva.

JANDIRA Ainda tenho.

SERAFIM Mas tem como? Se você não gosta dele?

JANDIRA Gosto sim. Quem foi que disse que eu não gosto do meu marido?

SERAFIM (atônito) Então que apito toco eu nisso tudo?

JANDIRA (pousando dois dedos nos lábios do rapaz)  Não faz perguntas. Deixa pra lá. Eu estou aqui, contigo, não estou? O resto não interessa.

SERAFIM (mal humorado) Essa história está mal contada! Muito mal contada.

JANDIRA (dando tapinhas na face de Serafim) Também gosto de ti, bobinho!... Estás com ciúmes? (com crueldade) Mas não eras tão amigo dele? Não tinhas tanto chiquê?

SERAFIM (confuso) Aquela besta do teu marido! Tenho vontade de te bater, só de pensar que tu está à disposição desse cara!... Ele te beija muito? Te beijou ontem?... Te vê nua? Se ele soubesse que estás aqui comigo, hein?

JANDIRA (rindo) Saber como? Só se tu fores contar!

SERAFIM Tenho um lugar assim assim, discretíssimo. Vais lá?

JANDIRA Até que enfim! Como demoraste, puxa...

Eles vão para o canto do palco, Serafim tenta beijar Jandira e então ela se afasta.

JANDIRA Eu nunca fiz isso com ninguém, nunca!... Quero ver minha filha morta, se estiver mentindo!
Os dois começam se beijar. Rala e rola no palco. De repente Serafim se afasta.

SERAFIM Se gostas do teu marido, por que fizeste isso? Por quê?

Jandira retoca a maquiagem.

JANDIRA O único homem que tinha me beijado, o único homem que eu, enfim, conhecia, era meu marido. … Eu quis fazer uma experiência... Questão de curiosidade.

SERAFIM Quer dizer que eu sou a experiência? Eu sou a cobaia? (desesperado) Aquela besta! Aquele cretino!

JANDIRA Não fale assim do meu marido! Eu não admito!

SERAFIM Falo sim! Idiota, palhaço! (segurando Jandira pelos dois braços) Agora vais me dizer, ouviste, qual foi o resultado da experiência. Diz!

JANDIRA (tranquila) O pior possível! Você não chega aos pés do meu marido. Foi a primeira e última vez. Daqui em diante, nem você, nem nenhum outro idiota, põe a mão em cima de mim... Só o meu marido!


Jandira sai de cena cantando radiante.



Assista agora o vídeo com os ensaios. Direção: André Mattos. Tablado, 2009.

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